Charles Darwin chegou ao Brasil em fevereiro de 1832, tocando primeiro em Fernando de Noronha. Depois de meses de pesquisa em diferentes pontos do país, em julho desse ano deixava o Brasil rumo a Montevidéu, em princípio para não mais voltar. Mas, pouco depois, em agosto, de regresso à Europa, ventos contrários forçam seu navio a seguir para Recife, de onde parte enfim a 19 daquele mês. Nesse dia, anota em seu diário: “Dou graças a Deus e espero nunca mais visitar um país de escravos…”

chamberlain – quitandeiras da lapa
Durante os meses aqui passados, Darwin andou pelo litoral e entrou na floresta, observando peixes, pássaros, insetos… e as pessoas. Esteve na Bahia, no Rio, em Cabo Frio, em Niterói. Como era o país que viu? Estas obras da coleção MASP dão uma idéia de como era o país àquele tempo. A obra de datação mais remota, nesta mostra, é uma aquarela de 1818, com paisagem da Guanabara; a última, de 1895, uma imagem da Ponte Grande, em São Paulo. No século 19, no Brasil, a paisagem urbana, da costa ou do campo não mudava com a velocidade à qual se acostumou (mal) o século 20. Uma cidade não se transformava radicalmente em uma década, uma paisagem de orla marítima não era obliterada em cinco anos por uma parede de altos edifícios, um morro não sumia em pouco tempo devido à exploração de minérios e um pedaço da floresta não era varrido da noite para o dia a fim de abrir espaço a pastagens. Assim, aquilo que estas obras capturaram, mesmo se alguns anos antes e alguns anos depois da visita de Darwin, dão uma boa representação do Brasil à época.
São cenas bucólicas, quase todas. Algumas, idílicas. Como convinha ao ideário estético predominante na época. Paisagens tranqüilas e retratos de pessoas em seus melhores momentos são a regra. Mesmo o trabalho, ilustrado com as quitandeiras da Lapa, é mostrado sob uma faceta exótica. As exceções são apenas duas: uma representação relativamente “amena” de uma caça a escravos e a litografia de Rugendas mostrando um feroz combate armado na floresta. A natureza ali retratada é as mesmas das demais obras; o cenário humano descrito, porém, é como o reverso daquele pintado nas paisagens tranqüilas de cachoeiras, rios e marinhas. Foi o impacto de cenas dessa espécie que levou Darwin, talvez, a sua observação final sobre o país.
Tanto quanto uma representação dos vetores estéticos do momento, esta mostra tem um valor documental certo e é uma ocasião para exibir algumas peças raramente vistas, como o Panorama da Baia de Guanabara de Essex Vidal, de 1826-1829, sem dúvida mostrando para o século 21 aquilo que Darwin viu há quase 200 anos.