OS 120 DIAS DE SODOMA | OS SATYROS

A reestréia da peça “Os 120 Dias de Sodoma”, inspirado no romance do Marquês de Sade, aconteceu ontem, dia 11 de Agosto, sábado.

A montagem original ficou em cartaz entre maio e novembro do ano passado. O espetáculo trata das questões filosóficas e políticas colocadas pela obra do Marquês de Sade, em um contexto brasileiro de corrupção e decadência das instituições sociais. O espetáculo faz parte da Trilogia Sadeana, que foi iniciada com o espetáculo “A Filosofia na Alcova”.

Texto e Direção: Rodolfo García Vázquez
Elenco: Eduardo Chagas; Heitor Saraiva; Marçal Costa; Robson Regato; Diogo Moura; Herbert Barros; Kleber Soares; Rodrigo de Souza; Sérgio Guizé; Marta Baião; Savanah Meirelles; Andressa Cabral; Bruno Tarcis; Carolina Angrisani ; Chico Ribas; Felipe Thiago; Henrique de Mello ; Hevelin Gonçalves; Jucelino Rosa ; Patrícia Santos; Samira Lochter

Espaço dos Satyros Dois
praça roosevelt, 124 – CEP 01303-020 são paulo/sp – tel. (11) 3258 6345

Lugares: 70 | Horários: sábados e domingos 20h30
Ingresso: R$ 30,00 (com descontos para estudantes, idosos, professores e deficientes)
Telefone para reservas: 3258 6345

Desaconselhável para menores de 18 anos

Para ler mais sobre o espetáculo, clique

 Texto retirado do site da companhia teatral Os Satyros.

Por que “Os 120 dias de Sodoma”?

Os Satyros pretendem retomar a temporada do espetáculo em função da grave crise institucional nacional, em especial no Senado brasileiro e em algumas outras esferas da administração pública.

Em setembro de 2005, Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral discutiam sobre a grave crise política brasileira e a indignação diante de tanta corrupção e, principalmente, diante do silêncio estático da população. Consideraram que fosse fundamental tocar nesse assunto, que o teatro não poderia fingir não respirar a atmosfera de uma das mais épocas mais turbulentas da história recente do nosso país.

Surgiu então a proposta de montar “Os 120 Dias de Sodoma”. Os Satyros conheciam bem a obra, pois a companhia já havia montado “A Filosofia na Alcova” e tinha estudado profundamente a obra de Sade. Mas sempre havia recusado pensar na hipótese de montar o grande desafio sadeano.

Teríamos que enfrentar várias dificuldades:
– a complexidade de situações e de personagens tornariam a adaptação para o palco uma empreitada extremamente arriscada,
– o romance mais ambicioso do Marquês já havia sido adaptado para o cinema no clássico “Salò ou 120 Dias de Sodoma” de Pasolini, que o ambientara na república fascista italiana e fizera um dos experimentos cinematográficos mais radicais da história da sétima arte,
– aproximações do Brasil com a França pré-revolucionária também seriam difíceis aos olhos de muita gente. Afinal, apesar de ainda vivermos resquícios feudais e de termos uma das mais injustas distribuições de renda do mundo, acreditamos piamente que somos um país moderno e até mesmo “na moda”.

Durante o processo de ensaios, fizemos todas as correlações entre o texto sadeano e o Brasil, e a crise política serviu como elemento de percepção de nossas bases . A crise política que se instalou no nosso país exibiu, sem pudores, como funcionam as nossas instituições e nossos líderes, de forma generalizada através dos séculos.

Não podemos dizer que os fatos que ocupam as manchetes dos jornais de hoje sejam fruto de uma posição circunstancial. A corrupção e o desrespeito às instituições encontram no nosso país o sólo fértil para nascerem e se multiplicarem pois foi exatamente desta forma que se construiu o modus vivendi brasilianus.

Mas existia mais um desafio para o espetáculo: não queríamos reduzí-lo apenas à conjuntura do nosso país, mas falar de qualquer pessoa, de qualquer país em que as punições contra o abuso de poder não sejam severas, pois, segundo Sade, a humanidade não é guiada pelo amor e pela generosidade, conceitos anti-naturais; mas pelo egoísmo, pela destruição e pelo prazer, que seriam os verdadeiros motores da nossa natureza. A genialidade de Sade consiste justamente em nos fazer defrontar com o lado mais obscuro da alma humana. Sade nos obriga a mergulhar na Sombra, pois só assim poderemos saber profundamente quem somos e valorizar o Sol.

Os ensaios ocorreram entre os meses de outubro e abril, diariamente, numa pesquisa profunda sobre os textos sadeanos, sua filosofia, suas reflexões sobre a alma humana e as abordagens de outros artistas a partir do romance, como Pasolini e Ferreri. Durante esse período, o grupo acompanhou atenta e diariamente os desdobramentos da crise política, tentando estabelecer conexões entre todas as informações obtidas e o roteiro do espetáculo.

A partir de improvisações, o grupo foi criando cenas que foram posteriomente selecionadas e passaram a fazer parte do roteiro final.

Há também uma intervenção a partir do texto de De La Boétie, “O Discurso da Servidão Voluntária”, em que pretendemos levar à reflexão sobre como o jogo de espelhos das projeções nos levam a delegar ao outro o poder sobre nós, como a tirania do outro só é possível porque, em alguma medida, somos responsáveis por ela.

Os 120 dias de Sodoma

“Os 120 Dias de Sodoma” é um clássico da literatura mundial e um dos mais polêmicos de sempre. Les 120 Journées de Sodome ou lécole du libertinage foi escrito em trinta e sete dias -ou mais precisamente, em trinta e sete noites-, entre os dias 22 de outubro e 25 de novembro de 1785, quando Sade tinha 45 anos.

Nessa época, Sade se encontrava preso em uma cela da Bastilha, uma das prisões na qual viveu e que marcaram quase a metade de sua vida. Com recursos limitados, teve que escrever o manuscrito em letra miúda, em um rolo de papel de 12 metros de comprimento.

Considerado um livro de difícil leitura, a ação do romance é situada algumas décadas antes da Revolução Francesa. Tudo começa quando quatro libertinos da época se dedicam durante um ano a organizar uma orgia que durará 120 dias. Tais libertinos eram figuras destacadas da sociedade francesa. Para essa orgia, foram raptados oito meninos e oito meninas virgens, dos mais belos da França, oito fodedores e quatro contadoras de histórias, além de um secto de damas de companhia, servas de copa e cozinha e todos os empregados necessários para o deboche.

As orgias eram executadas de acordo com um código elaborado pelos próprios libertinos, que deveriam seguir as histórias narradas pelas contadoras. O deboche é ambientado no castelo de Silling, propriedade de um dos libertinos, que se localiza no alto de montanhas e rodeado de bosques, local ermo e isolado.
A ação da novela se desenvolve durante quatro meses, de 1o. de novembro a 1o. de março.

Dividida em quatro ciclos (ciclo das paixões simples, das paixões complexas, das paixões criminosas e das paixões assassinas), trata-se de uma história fantasticamente bem construída, com uma ordem estrita de eventos. Apesar disso, não foi completada pelo Marquês, devido às condições em que foi produzida. Apenas o primeiro ciclo foi escrito integralmente, porém sem que o Marquês pudesse haver feito uma revisão. Os ciclos restantes receberam apenas apontamentos. Sua intenção óbvia seria a de completar a obra assim que tivesse recuperado suas condições normais de vida.

Infelizmente, o manuscrito perdeu-se na Bastilha e até sua morte, Sade lamentou sua perda. Apenas muitas décadas depois, o manuscrito foi localizado e teve sua primeira publicação em 1904.

Es una historia remarcablemente bien construida, con un orden estricto de eventos marcado de antemano. Sin embargo, no está completa. Solamente la primera sección está escrita en detalle. Después de eso, las restantes tres secciones están escritas como un borrador, a modo de notas con los comentarios personales de Sade aún presentes en la mayoría de traducciones. Bien antes o durante el trabajo, Sade sabía evidentemente que no podría completar la obra y eligió escribir las tres partes restantes en breve y terminarlas después (obviamente no pudo hacerlo).

A adaptação de Pasolini


Imagem retirada do álbum de fotos / Flickr

Em 1975, o cineasta Pier Paolo Pasolini adaptou para o cinema a obra de Sade, transformando os protagonistas em quatro dignatários da República de Salò, o estado fascista do período final da Segunda Guerra, após a derrota de Mussolini. O filme, considerado o testamento artístico de seu diretor, foi considerado uma obra maldita e banido de vários países. Devido à crueldade de suas imagens, foi considerada uma obra pornográfica.

A adaptação dos Satyros

A peça se inicia com o texto original do romance de Sade:

As crises que sempre marcaram a história da nossa nação destruíram a riqueza do Estado e a garra do povo. No entanto, tais crises guardavam o segredo que leva os corruptos à prosperidade. Estes parasitas souberam, durante todos esses séculos, obter todas as vantagens possíveis à custa do sangue do povo.

O roteiro dos Satyros conta com um narrador que descreve como se vivia num Brasil do passado. Esse narrador descreve os quatro libertinos da seguinte forma:

Duque de Blangis – Herdeiro de uma fortuna colossal. Seus ancestrais haviam dominado a economia do país desde os primeiros tempos, com grandes propriedades produtoras de cana-de-açúcar e café, passando pela exploração do ouro, a criação de gado e mesmo o tráfico de escravos africanos. Posteriormente, seus gloriosos antepassados apostaram em investimentos empresariais e associações com grandes conglomerados internacionais.

Seu irmão, o Bispo de Blangis, é dotado da mesma alma perversa. Sua carreira destacada como líder religioso o conduziu à Assembléia Nacional, como deputado federal. Nessa casa, fez fama por seus discursos inflamados, que tantos votos lhe renderam. Sua defesa da Moral e dos Bons Costumes escondia perfeitamente seus acordos ilícitos com empresas estatais e privadas e a compra de uma rede de t.v.

Presidente de Curval – Presidente do Supremo Tribunal Federal. Sua fortuna foi acumulada pela execução de alguns crimes grandiosos, como a libertação de um poderoso traficante de drogas e a construção da sede do Tribunal Superior Federal, além de favorecer alguns de seus amigos donos de grandes construtoras e lhe engordou várias contas bancárias em paraísos fiscais, deixando-o suficientemente rico para todos os deboches desta vida e de várias gerações.

Ministro Durcet – Sua fortuna deveu-se a inúmeros subterfúgios nos corredores do poder, nos quais se tornou respeitado mestre da artimanha entre os mais famosos ladrões de dinheiro público.

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